DESABAFO CONSCIENTE, por Abda Medeiros
DESABAFO CONSCIENTE
Prof.ª, Drª. Abda Medeiros
Hoje foi um daqueles dias que eu pensei não ter fim. Quando nos dedicamos ao estudo das Ciências Sociais e compreendemos a Ciência como algo indissociável da práxis, de fato, não dá para ficar isento ou rindo desesperadamente diante da prisão de um (ex) chefe de Estado. Mais do que isso, não é porque se trata do Sr. Luís Inácio Lula da Silva, para muitos apenas um ex-metalúrgico da região do ABC paulista, enriquecido ilicitamente; para poucos, inclusive os críticos menos idiotas, um das figuras mais fortes e pedagógicas, embora não carismático, trabalhado a várias lutas no contexto brasileiro. Como eu já disse em postagens anteriores, o que me preocupa e me faz chorar pelas cenas dos últimos dias e as de hoje, alude a essa tal “democracia representativa” que de tanto representar, tornou-se alvo fácil de mentes perigosas (no sentido literal do termo), afinadas aos projetos neoliberais e ensandecidas pelo poder, custe o que custar, inclusive a base de pó, uísque, armas e leis.
Não sou petista, mas já transitei pelo partido. Conheci Lula nessas caravanas pelo país, sempre com um discurso de fácil acesso para o povão, mas jamais comunista e “comedor de criancinhas”, conforme dizem certos fanáticos de Jesus. Quando ele finalmente conseguiu a primeira eleição, e eu percebendo os desdobramentos da escolha dos nomes para os ministérios, senti que cada vez mais ele “jogava com o mercado”. Ele se tornou pop, “o cara” e a “voz que clamava no falso deserto”. Até mesmo as alianças tramadas que o levaram ao Palácio do Planalto (leia-se Igreja Universal, Empresários e Partidos Políticos) já traziam em si o poder de fogo e destruição que hoje o conduziram à privação de liberdade. Desisti de votar. Até hoje não voto. E passei a ser uma crítica ferrenha aos inclinamentos políticos de Lula, mas nunca sem desmerecer a liderança, o articulismo político e as porções de esperança que ele sempre representou para pobres e ricos. Sim. Certamente foi o governo que mais cumpriu com a política de assistência social neste país, bem como o que melhor enriqueceu, negociou e reverteu as condições econômicas de estatais brasileiras dentro e fora do país.
Pretendo não fazer análises micro/macro econômicas ou políticas durante o seu governo (cabe aos bons especialistas na área). Muito menos discutir o porquê Dilma Rousseff, sob a minha perspectiva, jamais poderia ser o nome apoiado por ele. Entre acertos e erros, eu fico com o Lula ser humano. Ele que recentemente perdeu a sua amada companheira e vivenciou o luto durante o último ano, enquanto tramavam nos “porões de Brasília” ou em “nome da moral e dos bons costumes” o seu encarceramento. Até as leis foram ajustadas, no famoso jeitinho brasileiro negativo, resultando em um grande acordão entre os três poderes que mais se assemelham, atualmente, aos três patetas (elevados à décima potência). Não se trata de absolvê-lo, mas as coisas não poderiam ter caído na descredibilidade de um teatro mal feito, cheio de furos e acampado por conglomerados midiáticos ansiosos e ridículos à espera de mentiras maquiladas de verdades. Pior do que isso: os fanáticos de Jesus, da suspeita família e dos duvidosos bons costumes, regozijam-se e ecoam aos quatro cantos o fim de uma corrupção estrutural cujo entendimento se perdeu nos livros de Ciências Humanas que essa gente não leu. Analfabetos de currículos obesos e diplomas mais enviesados do que a costura de uma roupa velha que eu tenho em casa.
O certo é que eu chorei. Tentei cantar, não funcionou. Fui treinar, as pernas pesaram o dobro do peso real. Me montei toda para a manifestação, mas não consegui encarar suficientemente bem o espírito democrático. Nestas horas eu prefiro a desobediência civil à servidão voluntária. Encontrei nas minhas caixas um dos CDs da campanha vitoriosa de Lula e sequer consegui ouvir: “Lula lá, valeu a espera!”. Eu me questionei: por que você foi esperar por essa gente homem, se tu tinhas o povo do teu lado, porra! Lembrei-me do choro de alguns alunos quando tiveram de desistir da Faculdade porque perderam o FIES (efeitos da crise). Mergulhei em um oceano de dúvidas quando mirei a pilha de provas que eu tinha para corrigir e imaginava quem dali conseguiria concluir o curso. Recordei-me do condutor de nosso ônibus diário que na quinta-feira disse: “professora, onde já se viu um cabra desses do interior conseguir fazer uma Faculdade, se não fosse pelas políticas desse Lula?” Voltei no tempo, especialmente para os bancos da Universidade Pública durante a Graduação cujas manifestações, porradas da polícia, falta de grana ou horários jamais foram capazes de nos deter. E o Lula sempre estava nesse meio. Até que eu recebi a ligação de mi madre. Tentou me confortar. E mesmo com tantos lapsos de memória, ela de uma forma digna, disse-me: “nunca faça aliança com quem pode te jogar numa prisão.” Eu entendi e agradeci.
E mesmo só conseguindo concluir o sábado no início deste domingo, escrevi estas linhas como desabafo, mas, acima de tudo para que fique bem claro, as minhas críticas ao Lula nunca foram (e nunca serão) suficientemente ácidas de forma a preferir um desgoverno psicopata (estilo Trump ou Bolso dos cambau do inferno) a um cara que como Estado soube fazer o abecedário, pelo menos acima da média de seus antecessores.
Professora Abda Medeiros, em 08/04/18
• Profa. Dra. de Antropologia e Sociologia da Faculdade do Vale do Jaguaribe (FVJ), em Aracati, CE.
• Pesquisadora do Laboratório das Juventudes da Universidade Federal do Ceará (LAJUS/UFC) e Rede Luso Brasileira de Pesquisa em Artes e Intervenções Urbanas do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS).
• Integra o Grupo de Estudos em Cultura, Trabalho e Educação da Universidade Federal Fluminense, Campus Angra dos Reis(GECULTE/IEAR/UFF).
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